PRÓLOGO:
A fumaça do café subia como névoa, pairando em câmera lenta na atmosfera pesada da delegacia. Era um daqueles dias. Não pelo movimento. Estava até calmo ali. Calmo demais, talvez. E esse era o problema. Aquela tranquilidade sempre parecia anunciar alguma desgraça, como um agouro maldito.
E tinha a enxaqueca. Ah, essa podia transformar qualquer dia em um inferno.
A delegada Helena Almeida esfregava a testa quando o oficial Paulo entrou em sua sala.
— Tem um momento, senhora? — perguntou ele.
Ela riu cansadamente para o colega.
— Não, mas fale assim mesmo.
Ele ensaiou um sorriso de volta, mas a expressão pesada mal deixou seus lábios se moverem. O policial estava mais pálido do que um lençol esquecido de molho numa bacia de água sanitária, o que logo chamou a atenção da mulher.
— Temos um assassinato.
Ela não queria soar insensível, mas aquilo não era novidade. Afinal, era o ramo em que trabalhavam. Assassinatos não eram comuns em Maramoures, mas aconteciam de vez em quando. Alguma briga de bêbados no Bar do Cais, ou alguém que encontrou uma visita inesperada escondida no armário da amada esposa... Fazia parte.
— Quem foi? — perguntou ela, sem muita exaltação na voz, embora o peso no olhar de Paulo fosse, no mínimo, alarmante. — O que foi, homem? Parece um morto-vivo. Diga logo.
— Foi um aluno, senhora... E... foi sério.
Assassinatos eram sempre sérios, não eram? Mas, para um policial dizer aquilo, havia algo mais. Helena se levantou, quase esquecendo a enxaqueca, e fitou o homem nos olhos.
— Dentro do campus?
Ele fez que sim.
— No bosque. E... não foi bonito. Acabei de receber o rádio da viatura que foi chamada. Uma aluna o encontrou. Está traumatizada. Ouvi os choros dela pelo rádio.
— “Não foi bonito”? O que diabos isso quer dizer?
— O garoto tinha arranhões nos braços e nas pernas. A calça e a camisa estavam rasgadas. Uma laceração grande no pescoço e... — ele hesitou por um momento — e... não tinha coração.
Helena sentiu o sangue subir-lhe à cabeça de uma vez, mas manteve-se ereta e com expressão inabalável.
— Chame uma viatura. Quero ir lá. E traga o relatório. Quero que me explique o que, em nome do Todo-Poderoso, isso quer dizer.